Páginas

sexta-feira, 13 de junho de 2008

De Rabanal del Camino a Ponferrada_A CRUZ DE FERRO

17.VII.2008
Alto do Monte Irago _ Cruz de Ferro

Ponto mais alto do caminho francês. Aproxima se a 1.439 m.






Os romanos utilizavam o monte como divisa territorial e o chamava de “Monte de Mercúrio”, era um marco divisório. O lugar é considerado místico e a Cruz de Ferro é um ponto mágico entre o céu e a terra. Alguns peregrinos levam uma pedra de seu próprio país e a deposita no monte pedindo proteção. Outros colocam uma pedra do próprio local no morro da Cruz de Ferro, acreditando que a partir deste ponto, será uma nova pessoa.
Descida do Monte Teleno _ pedras e tendinite.





El Acebo_ descida do Monte Teleno.
"em Foncebadon me encantei com um gato preto e sentei"
Foncebadon _ Subida do Monte Irago
Comecei a marchar as 7:30hs. Dois peregrinos marchavam a minha frente. No início do dia o caminho é sempre muito motivador e nos primeiros passos me sentia eufórica. Escutava o son das botinas pisando firme na terra e os cajados dos pergrinos adiante. O movimento nos faz querer andar e chegar. Quando saímos de Rabanal já estávamos caminhando no Monte Irago.
A subida foi tranquila e muitos peregrinos que marchavam muito rápido passaram por mim, sobretudo adolescentes em grupos de férias escolares e experimentando o caminho. Mas eles não carregavam a mochila, pois possuíam apoio. Entretanto os encontrei em todas as paradas de descanso. Vale ressaltar que na subida o corpo flui tão bem na caminhada que parece que o peso nas costas ajuda a subir.
Em Foncebadon me encantei com um gato preto, meio bicho do mato diria a minha mãe, e parei para fazer carinho nele. Conversei um pouco com o Senhor que morava na casa e cuidava do gato na quase desabitada vila. Fiz uma foto, embora com muita dificuldade para pegar a imagem do gato. Ele não parava e não queria saber de mim.
Nesta parada, me lembrei de um conselho, em que meu professor de spinning, o Beto, me disse: "Não se distraia com nada...Siga em frente até chegar e cumprir o seu objetivo." E eu havia me distraído e perdido no mínimo uns quinze minutos do meu precioso tempo. Mas guardo em memória aquele momento como algo muito agradável em meu dia.
Daquele ponto em diante começou a ficar bastante difícil continuar. O sol queimava forte e a sede não passava com nada. Quilômetros mais adiante e acima do monte chegou a imponente Cruz de Ferro e fiz uma fotografia. Eu estava no ponto mais alto do caminho francês.
Neste ponto entramos para a esquerda e se inicia a marcha pelo Monte Teleno. Caminhando mais um pouco ou quatro quilômetros cheguei a Manjarin, localidade de uma só casa, que é um albergue. Lá fiz uma parada com direito a água, dois biscoitos de maizena e foto com um gatinho filhote preto. O tal albergue é uma tenda de madeira para descanso, com duas mesas de madeira. Uma com biscoitos e água e outra com souvenir. A água e os biscoitos podemos comer à vontade em troca de donativos_moeda. A caminhada continua durante horas na montanha. Pela tarde, quando já havia se passado sete horas caminhando e meu litro de squarius, isotônico, que havia comprado na última parada em El Acebo, já havia terminado, passaram por mim dois peregrinos com seus cantis em mãos e pude observar que também estavam vazios. Nesta hora me senti confortada sabendo que não era a única naquela situação.
Marchei todo o tempo com muitos mosquitos ao meu redor e com dor nas bolhas em meus pés. A descida foi difícil entender que era tão dura de fazer.
Senti cada passo de minha descida. As pedras atrapalham demais. Marcha solitária e doída. Ao escrever estas palavras me emociono, pois aqueles sentimentos foram fortes em mim. Marcha de descida que durou cinco horas com três interrupções para descanso de no máximo dez minutos cada uma com comida (tortilha) e energéticos.
Num dos descansos, fiquei parada por uns dez minutos sentados numa pedra embaixo de umas árvores que faziam sombra. Nenhum peregrino sequer passou ali. Nessa parada me emocionei. Senti me só no meio de uma densa montanha. Mas logo respirei fundo e segui. "Aqui não é hora e nem lugar de se emocionar, Kátia! Você precisa chegar e tem que andar, vá! ", pensava a todo instante. Pensava também que não estava só e que eu tinha o caminho para me orientar e que havia paisagens brilhantes para fotografar e apreciar. Fiz algumas fotos do caminho comigo mesma, em que aparecem muitas flores coloridas. Estava sorrindo e feliz. Foram muitas horas sozinha, descendo a montanha e o fim parecia não existir.
Contudo, já estava sabendo desde o dia anterior que, o que me aguardava seria duro do modo que se apresentou. Logicamente que não contava com os mosquitos e nem a tendinite. Mas consciente de meu caminho, me sentia valente e ótima para sempre continuar. Entretanto, teve um momento de terreno oblíquo que estava me movendo tão lentamente com dor nas bolhas dos pés, que um senhor com metade a mais do que minha idade passou por mim otimamente bem e me ofereceu ajuda. Conversamos um pouco durante a marcha, e gentilmente me aconselhou a procurar o centro médico em Ponferrada. Logo ele se foi com passos largos e sumiu de minha visão. Fiquei sozinha na montanha novamente e naqueles passos eu chorei, num misto de dor, emoção e recordação. Recordação da presença confortante daquele homem. Como foi ruim continuar sozinha aquela descida sentindo tanta dor. No momento das dificuldades, a solidão dói.
Logo pensei que estava cada vez mais a frente e que o caminho estava mudando o cenário constantemente e continuei. Andei com sede até Molinaseca. Mas desta vez soube fracionar a minha água. Vi peregrinos passarem por mim com seus cantis e garrafas vazias. Pensei que estavam piores do que eu, pois desta vez, eu tinha água ainda para dar um gole quando a sede apertava. O clima estava muito seco, quente e potencializa a sede.
Neste dia supunha que o sol estava insuportável. Mas não me fixei nisso em nenhum momento. Cheguei a Ponferrada, por uma seca e calorenta carreteira as 19:30 hs. Foram doze horas caminhando para me movimentar entre uma distância de 33,5 Km. Os guias dizem que a caminhada dura em torno de 8:15 hs, mas a minha durou quatro horas a mais.
Vi montanhas e caminhei com mosquitos. Tive paisagens lindíssimas e que não imaginava que fossem existir ali. As flores me acompanharam por todos os montes. Eram roxas, amarelas, vermelhas e laranjas. O verde era tão forte na natureza que constratava com o azul do céu.
Ao final do caminho deste dia, meus passos eram tão lentos, quase arrastados, que pensava ser a última peregrina a chegar em Ponferrada em 17.VII.2008.
Meus passos quase não respodiam e as pernas que não obedeciam.
Muitas vezes o que me moveu foi a sensação de solidão e que se algo acontecesse ninguém veria e por isso eu tinha que continuar a marchar para chegar e me cuidar. Era eu e o caminho. Não sei de onde vieram as forças para a reta final. Eu me sentia muito debilitada e as pernas doíam demais. Os pés estavam em pura bolha. Ao chegar em Ponferrada peguei um taxi até o centro médico para peregrinos. Lá permaneci por uma hora e saí melhor, mas mancando igual uma mula manca e fui direto ao supermercado para comprar frutas, pois ele estava para fechar. O médico e a enfermeira que me atenderam ficaram perplexos que eu havia andado de Rabanal até Ponferrada. Mas não existia só eu naquele dia que fez isto, e saber disto, me confortava.
Algo muito curioso é que a população que vive ao longo do Caminho de Santiago, acham um absurdo esse tipo de peregrinação, e por isso nos recebem como heróis e são extremamente simpáticos com os guerreiros peregrinos. Neste dia fiquei mais forte.

Um comentário:

  1. Eh doutora Katia

    Os gatos gostam da senhora porque gosta muito deles. Ou será o contrário. rsrs

    Até na sua viagem eles te acham. Abração. Rê. Fez falta, viu!

    ResponderExcluir

Obrigada pelo carinho!