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sexta-feira, 13 de junho de 2008

DIÁRIO DO MEU CAMINHO

MEU DIÁRIO
De Leon a Villandangos Del Paramo
No aeroporto de Leon já encontrei com outros peregrinos que também chegavam a cidade.

Vista da janela do meu quarto: Rio Bernesga.

Cathedral e Plaza Mayor em Leon.



Ponte Medieval



13.VII.2008
Iniciei minha jornada em Leon.

O que mais impressiona na chegada naquela cidade é ver os peregrinos passarem com suas mochilas em marcha firme com rostos marcados pelo esforco físico e pelo suor.

Aquela cena se torna inesquecível na memória. O pensamento acontece _ como poderei amanhã ser eu a fazer está cena?

E a cena acontece. Nos tornamos o protagonista em marcha em Caminho de Santiago. Durante a cena, as lendas também acontecem.

As lendas são as experiências que nos remetem ao nosso mais profundo interior físico e mental. Alguma coisa que se mistura e se distingue. Alguma coisa que transcende ao corpo e a mente e que nos orienta e emociona.

Ultreya, Ultreia, Buen Camino, Ânimo Peregrinos!
Virgen Del Camino _ 14.VII.2008
Distância: 25 Km.
Tempo que demorei caminhando: 9 horas
Dificuldade: baixa. Apenas senti demais o peso da mochila e o sol.
Desnível: 62 m .
Data: 14.VII.2008

14.VII.2008Saí de leon em torno de oito horas e percorri o Camino tranquilamente. No início eu via alguns peregrinos e no meio da jornada me vi sozinha a escolher por qual direção seguir no Camino, pois cheguei numa encruzilhada.
Logo no início caminhei umas três horas no meio do campo completamente só, debaixo de um sol incessante. Cruzei um túnel que me remeteu para alguns filmes que já vi, com cenas de violência, sobretudo em becos e túneis. Com isso, tive a nítida sensação que possuímos registros mentais que carregamos seja por onde quer que vamos e que os mesmos não se apagam, nos causando medo e insegurança. No túnel, olhei por várias vezes para trás com receio de estar sendo seguida, mas logo me dei conta que estava só e aos poucos o Caminho foi me dando um sentimento de que estava salva e segura.

Fazia tanto sol, que o campo parecia não ter fim. Marchava com um único pensamento_¨siga em frente sem relaxar até chegar¨. Tudo era novidade e a cada passo seguro sentia dúvida, pois durante todo o percurso deste dia, penso que vi apenas cinco peregrinos. Cada passo que eu dava, ganhava mais entendimento sobre o que é fazer o Caminho de Santiago a pé e sozinha. Tudo o que temia, aconteceu. Era somente eu andando sozinha de uma cidade a outra, ora pela carreteira e ora pelo campo.
Fiz uma parada para comprar água num lugar que oferecia almoço e o prato do peregrino. Lá encontrei um grupo de estudantes franceses que havia visto na cidade de Leon e fiquei perplexa com o que eles comiam e com aquele lugar. As moscas voavam e ocupavam todo os espaço do bar, e repousavam sobre a louça empoeirada. Uma senhora preparava os pratos para os peregrinos_ovos fritos com batatas fritas e grandes rodelas de presuntos fritos. Foi um grande azar conhecer o famoso prato do peregrino desta forma.

Bebi um suco energético, daqueles pronto de caixinha, e comprei uma garrafa de água. Deixei aquele lugar que cheirava óleo, o mais rápido que pude e parti marchando com a pesada mochila nas costas, que já se impunha ao meu limite físico. Continuei o Camino com muita dor nas costas e ombros. Após 25 Km e sete horas caminhando, cheguei no hotel e não saí mais. Quase parada e mancando procurei meu quarto e me joguei na cama dormindo por duas horas do mesmo jeito que havia me jogado. Neste dia, meu corpo pedia descanso e o deixei quieto.
Plaza Mayor & Cathedral de Leon_ a cathedral é uma construção monumental e a praça em sua frente é muito pequena para se conseguir uma fotografia de corpo inteiro e cathedral inteira. Sobretudo, quando se está só e dependemos de alguém para nos fotografar. Nestas duas fotografias é possível se ter uma noção de dimensão e tamanho quando comparamos a cathedral com a minha sombra
"Neste túnel parei. Observei todos os lados. Nenhum peregrino estava a vista e o horizonte neste ponto é bastante distante. Senti receio pelo túnel, pois me remeti a cenas de violência acontecidas dentro deles em filmes que assisti...aos poucos o caminho foi me dando um sentimento de que estava salva e segura."



Casa Botines: obra de Antonio Gaudi 1891.


Cruz de Santo Toríbio em San Justo de La Vega.
San Miguel del Caminho.

De Villandangos Del Paramo a Astorga

15.VII.2008Pescador de trucha dentro do Rio Órbigo Campos de Cereais

Ponte Gótica do Séc. XIII, conhecida como "Passo Honroso". Ela liga duas localidades: o Hospital de Órbigo a Villares de Órbigo.


Campo de Girassóis _ conversei com muitos peregrinos que passaram por aqui bem mais cedo do que eu e me contaram sobre a beleza deste campo com os girassóis fechados. Está fotografia fiz em torno de dez horas da manhã e fiquei encantada pela imagem.
Distância: 31 Km.
Tempo que demorei caminhando: 10 horas
Dificuldade: embora o terreno fosse plano, está distância é muito longa e se torna de dificuldade altíssima.
Desnível: 282 m .
Data: 15.VII.2008

Hoje foi um dia bastante difícil. A saída de Villandangos foi demorada e quando o sol do meio dia brilhava, ainda não havia chegado nem a metade de meu caminho.

Caminhei dez horas debaixo de um sol que não tinha trégua por nada. Não havia nuvens e nem árvores para sombrear o caminho.

Precisei parar algumas vezes para descansar os ombros que doíam. Numa dessas paradas senti a planta de um dos meus pés queimar. Parecia ser uma bolha. Mas não sabia ao certo, pois tudo ali era minha primeira experiência. Levantei me e assim que comecei a caminhar novamente, um forte ardor estrilou naquele pé e pude sentir a bolha se esvaziar. A dor foi incrível. A intensidade foi passageira. Ela havia se esvaziado do mesmo modo que se encheu.

Com a dor nos pés, os ombros foram vagarosamente esquecidos. Teve um banco que passei e não queria parar de forma nenhuma, pois eu possuía um só objetivo, o de chegar a Astorga e a sede já em consumia, e precisava seguir. Mas meu corpo pedia descanso. Não aguentei e voltei alguns passos cedendo ao corpo. Sentei e chorei. Chorei porque me senti fraca. Naquele instante perdi toda a minha razão. Minhas crenças estavam emganadas. O meu físico falou mais alto do que eu mesma. Era um limite, e mesmo em contradição fui realmente obrigada a respeitar.

Caminhei por mais aproximadamente 15 Km daquela parada em diante completamente sozinha. Nem sequer um peregrino a pé ou de bicicleta passou por mim. Eu estava só e tive muita sede. Uma sede mortal para mim. Uma sede que não me lembro nunca ter sentido. A água havia acabado e nenhuma bica natural apareceu a frente. Também não havia pueblos. Estava só e precisava continuar. A subida era longa e de perder de vista. Vi uma garrafa com um quarto de água jogada no Caminho, que estava fervendo com o sol. Mesmo assim, a peguei, abri e bebi...Bebi gotas de água, mas me confortou por segundos, pois estava preocupada com o sol e aquela sede.

Não vi nenhum peregrino nesta parte do Camino. Foram cinco horas de marcha sozinha e no meio do campo. Vi muitas cenas lindas. Registrei todas elas: os girassóis, o trigo e o verde. Caminhei ao son dos meus passos. Vez ou outra, eu e os largartos nos assustávamos um com o barulho do outro.

Tive visões fantásticas de paisagens lindíssimas. Lembrei me de Van Gock ao ver um campo de girassóis que me emocionou. Nunca pensei que fosse conhecer ou encontrar tamanha exuberância amarela e sem fim, num só espaco habitando a natureza e neste Camino. Uma surpresa, realmente, brilhante. Compreendi a inspiracao dos artistas da história da arte.

Hoje reaprendi uma grande lição: não contar com o que ouvi falar, como por exemplo que haveriam muitas fontes de água natural pelo Camino. O meu cantil e mais dois sucos de laranja não me foram suficientes para cinco horas de caminhada. Passei muita sede. Aprendi o que é sentir sede debaixo de um sol ardente. Ela supera qualquer dor, pois enquanto ela persiste, a dor é esquecida.

De Astorga a Rabanal del Camino

16.VII.2008
Rabanal Del Caminho: uma construção de arquitetura local destruída pelo tempo. Neste dia eu estava muito mal e saí de minha hospedaria apenas para dar uma volta curta pela localidade. Não me encontrava em condições de dar um passo sequer.
De Astorga para Rabanal atravessei o deserto de vegetação baixa. Foram quase 20 Km desta imagem. A pequena sombra que jaz é minha.



Palácio Episcopal de Astorga. Obra de Antonio Gaudi em 1887.



Este é um gato-de-olhos-de-diamante, chamado "Khao Manee", que significa "jóia branca", _ Gato Sagrado do Sião.
Em Murias de Rechivaldo encontrei um gato idêntico ao meu Neve. Um Khao Manne _ o gato sagrado do Sião. Um momento mágico!
Este é o gato que encontrei no caminho> Estes dois são os meus gatos: o Nero e o Neve. São irmãos e nasceram em minha casa. O Neve, além de ser um filho de autênticos British Shorthairs, foi abençoado por Sião e também é um Kao Manne com olho de diamante. O diamante está ao mesmo lado que do gato que encontrei em Caminho.


Comecei a marchar antes das oito horas depois do café da manhã no Hotel Asthur Plaza que começou a ser servido as sete e meia. Logo no início do caminho, na Plaza Mayor em frente a Igreja de San Bartolomeu, conheci a Hyunsook e a Yugi, duas simpáticas coreanas, e segui caminhando e conversando com as duas. Hyunsook, 56, me surpreendeu com rápida marcha que fazia com que sumisse diversas vezes de meu horizonte. Apenas a reencontrava novamente nas paradas para descanso. Sua amiga Yugi, 30, também marchava muito rápido e difícil era acompanhá-la. Ambas muito simpáticas, solidárias e com o corpo magrinho, pequeno do tipo mignhom.



Conversei bastante com as duas e marquei este nosso encontro com um retrato. Incrivelmente neste dia, nós três usávamos camiseta cor de rosa. Teve até uma brincadeira: "pink ladies" el camino...


Foram mais de 20 Km de sol. Parecia um deserto. Não havia árvores para sombrear. Apenas uma vegetação seca e baixa que dava caminho a uma estreita passagem de terra batida, ora branca como areia e ora vermelha_era o Camino de Santiago. Vez ou outra via um peregrino sentado no chão todo encolhido tentando se encaixar numa pequena sombra daquela vegetação rasteira. Uma cena lamentável. Ah, como eu sabia o que ele sentia. Somente não sentei no mesmo lugar, porque não havia sombra para mim e o sol me impulsionava a frente porque não o suportava e buscava alguma chegada de sombra para descanso.


Durante a marcha as bolhas em meus pés aumentaram e com isso não suportava mais o peso da mochila. Como foi difícil. Muitos peregrinos passaram por mim, que caminhava muito devagar. Teve um certo momento que me via caminhando quase parando. Neste dia cheguei a conclusão que minha mochila estava muito pesada.


Neste instante encontrei dois moços de Barcelona que pararam e se preocuparam muito comigo, pois era visível que eu não me encontrava bem. Ambos se ofereceram para levar a minha mochila até Rabanal de Caminho, mas nesses momentos é quase impossível receber ajuda, pois todos estão na mesma situação e todos possuem suas mochilas para carregar. Depois de uma pausa numa sombra que encontramos, saímos os três caminhando para a marcha final. Foram uns 4 Km que caminhamos juntos até chegar em Rabanal. Quando escritos, os 4 Km parecem tão curtos e fáceis, que jamais entenderia o que senti se não tivesse estado lá caminhando. Quando chegou em minha Pousada, a do Gaspar, depois de uma longa subida, nos despedimos com um forte abraço. Na pousada, almocei e dormi.


Neste dia meus limites fisícos gritaram comigo e muitas vezes pensava que não conseguiria chegar. Mas em hipótese alguma pensava em parar. Apenas achava que seria uma dura prova chegar. Desistir não me passava pela cabeça. Apenas me senti muito fraca e sabia que alguma coisa deveria ser feita para poder caminhar no outro dia.


Tomei algumas decisões para continuar. Deixei metade dos meus pertences pessoais no hotel. Inclusive um par de tênis novíssimo da Timberland. Havia levado porque me disseram e li em algum lugar que era bom alternar o calçado. Mas na prática, aprendi que com um só calçado, a bota, fazemos o caminho. Pensei neste dia em deixar cada grama que me fazia mal. Deixei guia, caixinhas de papel de medicamento, bermuda, camiseta e canetas.


Neste dia, que foi muito doloroso, algo não saia de minha mente durante o tempo todo: "pensei que não fosse fácil, mas não sabia que é tão difícil". "Preciso de trégua. Dezenove horas e eu já na cama. Daqui a doze horas a marcha se inicia e preciso continuar".


Senti muito medo. Estava com medo de mim mesma. Medo de não conseguir algo tão simples que é caminhar. Meu dia havia sido muito difícil.


Sr. Pepe Benito na entrada de Santa Catalina de Somoza. Aqui comprei o meu cajado e conversei bastante. Este senhor já uma figura conhecida há mais de vinte anos pelos peregrinos que aqui passam. Além da venda dos cajados, conchas e chapéus na entrada do pueblo, Benito é dono da hospedaria San Blas, a qual possui um bar com mesas em pleno caminho e os peregrinos aproveitam para descansar, comer e beber.
San Blas é o padroeiro desta povoação e deu o nome a Igreja local e a pousada de Sr. Benito.


Palácio Episcopal de Astorga: Obra de antonio Gaudi em 1887.


Debilitada, escrevi:

"Estou me sentindo extremamente apreensiva. Preciso ser forte para encarar a montanha, o Monte Irago amanhã. Serão 33 Km e meus pés estão em bolhas. Meus ombros estão doendo muito. O dejenuno começa a ser servido as sete horas. Pretendo começar a marchar as sete e meia no máximo. O tempo previsto no guia para a distância de amanhã é de 8:15hs. Mas sei que precisarei de um tempo muito maior do que este. Caso dê tudo certo e minha marcha durar onze horas, chegarei em Ponferrada as 18:30hs. Que Deus me abençoe e me acompanhe bem pertinho neste dia. Meu medo não é mais do desconhecido. Agora já sei como o Caminho tem sido difícil para mim. Sobretudo a reta final. Com menos peso na mochila espero suportar este meu dia.

De Rabanal del Camino a Ponferrada_A CRUZ DE FERRO

17.VII.2008
Alto do Monte Irago _ Cruz de Ferro

Ponto mais alto do caminho francês. Aproxima se a 1.439 m.






Os romanos utilizavam o monte como divisa territorial e o chamava de “Monte de Mercúrio”, era um marco divisório. O lugar é considerado místico e a Cruz de Ferro é um ponto mágico entre o céu e a terra. Alguns peregrinos levam uma pedra de seu próprio país e a deposita no monte pedindo proteção. Outros colocam uma pedra do próprio local no morro da Cruz de Ferro, acreditando que a partir deste ponto, será uma nova pessoa.
Descida do Monte Teleno _ pedras e tendinite.





El Acebo_ descida do Monte Teleno.
"em Foncebadon me encantei com um gato preto e sentei"
Foncebadon _ Subida do Monte Irago
Comecei a marchar as 7:30hs. Dois peregrinos marchavam a minha frente. No início do dia o caminho é sempre muito motivador e nos primeiros passos me sentia eufórica. Escutava o son das botinas pisando firme na terra e os cajados dos pergrinos adiante. O movimento nos faz querer andar e chegar. Quando saímos de Rabanal já estávamos caminhando no Monte Irago.
A subida foi tranquila e muitos peregrinos que marchavam muito rápido passaram por mim, sobretudo adolescentes em grupos de férias escolares e experimentando o caminho. Mas eles não carregavam a mochila, pois possuíam apoio. Entretanto os encontrei em todas as paradas de descanso. Vale ressaltar que na subida o corpo flui tão bem na caminhada que parece que o peso nas costas ajuda a subir.
Em Foncebadon me encantei com um gato preto, meio bicho do mato diria a minha mãe, e parei para fazer carinho nele. Conversei um pouco com o Senhor que morava na casa e cuidava do gato na quase desabitada vila. Fiz uma foto, embora com muita dificuldade para pegar a imagem do gato. Ele não parava e não queria saber de mim.
Nesta parada, me lembrei de um conselho, em que meu professor de spinning, o Beto, me disse: "Não se distraia com nada...Siga em frente até chegar e cumprir o seu objetivo." E eu havia me distraído e perdido no mínimo uns quinze minutos do meu precioso tempo. Mas guardo em memória aquele momento como algo muito agradável em meu dia.
Daquele ponto em diante começou a ficar bastante difícil continuar. O sol queimava forte e a sede não passava com nada. Quilômetros mais adiante e acima do monte chegou a imponente Cruz de Ferro e fiz uma fotografia. Eu estava no ponto mais alto do caminho francês.
Neste ponto entramos para a esquerda e se inicia a marcha pelo Monte Teleno. Caminhando mais um pouco ou quatro quilômetros cheguei a Manjarin, localidade de uma só casa, que é um albergue. Lá fiz uma parada com direito a água, dois biscoitos de maizena e foto com um gatinho filhote preto. O tal albergue é uma tenda de madeira para descanso, com duas mesas de madeira. Uma com biscoitos e água e outra com souvenir. A água e os biscoitos podemos comer à vontade em troca de donativos_moeda. A caminhada continua durante horas na montanha. Pela tarde, quando já havia se passado sete horas caminhando e meu litro de squarius, isotônico, que havia comprado na última parada em El Acebo, já havia terminado, passaram por mim dois peregrinos com seus cantis em mãos e pude observar que também estavam vazios. Nesta hora me senti confortada sabendo que não era a única naquela situação.
Marchei todo o tempo com muitos mosquitos ao meu redor e com dor nas bolhas em meus pés. A descida foi difícil entender que era tão dura de fazer.
Senti cada passo de minha descida. As pedras atrapalham demais. Marcha solitária e doída. Ao escrever estas palavras me emociono, pois aqueles sentimentos foram fortes em mim. Marcha de descida que durou cinco horas com três interrupções para descanso de no máximo dez minutos cada uma com comida (tortilha) e energéticos.
Num dos descansos, fiquei parada por uns dez minutos sentados numa pedra embaixo de umas árvores que faziam sombra. Nenhum peregrino sequer passou ali. Nessa parada me emocionei. Senti me só no meio de uma densa montanha. Mas logo respirei fundo e segui. "Aqui não é hora e nem lugar de se emocionar, Kátia! Você precisa chegar e tem que andar, vá! ", pensava a todo instante. Pensava também que não estava só e que eu tinha o caminho para me orientar e que havia paisagens brilhantes para fotografar e apreciar. Fiz algumas fotos do caminho comigo mesma, em que aparecem muitas flores coloridas. Estava sorrindo e feliz. Foram muitas horas sozinha, descendo a montanha e o fim parecia não existir.
Contudo, já estava sabendo desde o dia anterior que, o que me aguardava seria duro do modo que se apresentou. Logicamente que não contava com os mosquitos e nem a tendinite. Mas consciente de meu caminho, me sentia valente e ótima para sempre continuar. Entretanto, teve um momento de terreno oblíquo que estava me movendo tão lentamente com dor nas bolhas dos pés, que um senhor com metade a mais do que minha idade passou por mim otimamente bem e me ofereceu ajuda. Conversamos um pouco durante a marcha, e gentilmente me aconselhou a procurar o centro médico em Ponferrada. Logo ele se foi com passos largos e sumiu de minha visão. Fiquei sozinha na montanha novamente e naqueles passos eu chorei, num misto de dor, emoção e recordação. Recordação da presença confortante daquele homem. Como foi ruim continuar sozinha aquela descida sentindo tanta dor. No momento das dificuldades, a solidão dói.
Logo pensei que estava cada vez mais a frente e que o caminho estava mudando o cenário constantemente e continuei. Andei com sede até Molinaseca. Mas desta vez soube fracionar a minha água. Vi peregrinos passarem por mim com seus cantis e garrafas vazias. Pensei que estavam piores do que eu, pois desta vez, eu tinha água ainda para dar um gole quando a sede apertava. O clima estava muito seco, quente e potencializa a sede.
Neste dia supunha que o sol estava insuportável. Mas não me fixei nisso em nenhum momento. Cheguei a Ponferrada, por uma seca e calorenta carreteira as 19:30 hs. Foram doze horas caminhando para me movimentar entre uma distância de 33,5 Km. Os guias dizem que a caminhada dura em torno de 8:15 hs, mas a minha durou quatro horas a mais.
Vi montanhas e caminhei com mosquitos. Tive paisagens lindíssimas e que não imaginava que fossem existir ali. As flores me acompanharam por todos os montes. Eram roxas, amarelas, vermelhas e laranjas. O verde era tão forte na natureza que constratava com o azul do céu.
Ao final do caminho deste dia, meus passos eram tão lentos, quase arrastados, que pensava ser a última peregrina a chegar em Ponferrada em 17.VII.2008.
Meus passos quase não respodiam e as pernas que não obedeciam.
Muitas vezes o que me moveu foi a sensação de solidão e que se algo acontecesse ninguém veria e por isso eu tinha que continuar a marchar para chegar e me cuidar. Era eu e o caminho. Não sei de onde vieram as forças para a reta final. Eu me sentia muito debilitada e as pernas doíam demais. Os pés estavam em pura bolha. Ao chegar em Ponferrada peguei um taxi até o centro médico para peregrinos. Lá permaneci por uma hora e saí melhor, mas mancando igual uma mula manca e fui direto ao supermercado para comprar frutas, pois ele estava para fechar. O médico e a enfermeira que me atenderam ficaram perplexos que eu havia andado de Rabanal até Ponferrada. Mas não existia só eu naquele dia que fez isto, e saber disto, me confortava.
Algo muito curioso é que a população que vive ao longo do Caminho de Santiago, acham um absurdo esse tipo de peregrinação, e por isso nos recebem como heróis e são extremamente simpáticos com os guerreiros peregrinos. Neste dia fiquei mais forte.

De Ponferrada a Villafranca Del Bierzo

CASTELO TEMPLÁRIO DE PONFERRADA
18.VII.2008
Saída de Ponferrada: Café com Aoifa (irlandesa) e a Hyunsook (koreana) & Plaza Mayor, Plaza virgem De La Encina_Ponferrada

Aoefa em Ponferrada.

Hoje o caminho foi mais tranquilo, embora o sol queimando durante todo o percurso. Quando despertei, pensei que não fosse conseguir sequer dar um passo ou mesmo sair da cama, tamanha era a dor que sentia no corpo, ombros e pés, e nas bolhas. Com alongamento, medicação e banho a disposição nos toma conta novamente.

Após tomar o café da manhã saí em direção ao caminho e parei apenas para comprar água e isotônico porque fazia muito calor, e ponderei ser melhor me previnir da sede, mesmo sabendo que haveria pequenas vilas e mais pueblos em uma distância bem mais curta que a anterior.

Comecei a andar e depois de dez minutos marchando o corpo aquece e se abranda, e a caminhada e os passos se tornam mais fortes e rápidos.

Saí de Ponferrada as 9:15hs e cheguei a Villafranca Del Bierzo as 16:30 hs. Precisei ter mais paradas para descanso que no dia anterior. Numa das paradas, tirei as botas para pinçar as bolhas que havia se enchido novamente e doía demais. Quase não pudia andar, mas esvaziando- as e protegendo-as, era possível marchar novamente. Numa outra parada, comi uma tortilla (omelete com batatas cozidas) deliciosa e visualmente perfeita. Era daquelas que sempre tentei fazer em casa e nunca consegui. Qual o tipo de panela ou frigideira que usaram, pensava eu maravilhada com o meu prato regado pela água mais gostosa que já tomei. "Não sei para onde foi tanta água e isotônico que bebi pelo caminho", pensava constantente sobre a bebedeira.

No caminho geralmente não sentia fome, porque com o calor e o exercício da caminhada me tirava o apetite. Mas mesmo assim, me alimentei muito bem todos os dias, porque sabia da responsabilidade que tinha com minha saúde para poder caminhar. Em compensação a sede era tanta, que perdi as contas de quantos aquarius (isotônicos) tomei. Como precisei tomar antialérgico todos os dias, devido a alergia de pólens, gramíneas e remédios, nesta altura do caminho já me sentia bastante inchada. Mas o inchaço não era importante. Sentir se bem no caminho é o que importava.

Quando o corpo está abastecido e saciado, a mente se desliga das necessidades e se concentra melhor nos deveres. Assim a marcha se torna melhor e rende mais. Assim é o meu pensamento.

Ao chegar em Villafranca passei por uma ponte medieval lindíssima e fiz alguns retratos. Fiquei encantada com a cidade. Estava tudo fechado em horário de almoço, mas existiam muitas pessoas na rua. A cidade é encantadora. O caminho cruza a Calla Dágua, uma rua estreita e longa, inteira cercada por sobrados. Típica rua medieval. Aquela rua me encantou novamente e também fiz algumas fotografias.
Após me hospedar, guardei a mochila, me sentei num café na Plaza Mayor e almocei. Insalada mixta e trucha com pudim de leite de sobremesa. O vinho foi um tinto Mercia Sevilla Bierzo, denominação de origem, produzido em Cacabelos na província de Leon. Local vizinho muito próximo dali.

Escrevi estas pautas neste café em que cito que almocei. Estava me sentindo especialmente muito feliz. "... venci o desafio que pensei ser impossível ..." chegar até Villafranca caminhando depois de viver o difícil dia anterior.

Estava feliz, mas no caminho achei impossível relaxar. A tensão para o dia seguinte me habitava sempre. Fez parte de minha rotina, os cuidados, a tensão e o descanso. Todavia, cada dia a mais de caminho, entendia o quanto se precisa estar preparado para aguentar, todos os dias caminhando tantos quilômetros com o peso nas costas. Meu corpo estava muito sentido. Pensava que sem os antiinflamatórios não seria possível sair do lugar. Eu estava dopada.

Depois do almoço fui até a igreja selar a credencial e sentei no primeiro banco da mesma para escrever e rezar. O cheiro era de muita paz. Escutava o silêncio. Ali fiz um balanço de todos os pueblos em que passei e quantos quilômetros tinham cada um. Leon 3.7, Trobayo 4.1, La Virgem del Caminho 5.0, Fresno 2.5, la Aldeia De La Valdocina 8.0, Robledo 4.0, Estácion de Villandangos 2.0, Oncina 6.0, Chozas de abajo 3.9, Villa mazarife 9.0, Villavante 3.5, Varverte de La Virgem 1.4, San Miguel 5.0, Hospital de Órbido 2.2, Villares de Órbido 2.7, Saltibanez 8.1, San Justo de la Vega 3.2, Astorga 4.7, Múrias de Rechivaldo 4.8, Santa catalina de Somoza 4.2, El Ganso 6.9, Rabanal 5.7, Foncebadon 4.1, Manjarin 6.9, El Acebo 3.7, Riego de ambrós 4.3, milinaseca 4.4, Campo 3.6, Ponferrada 4.8, Columbrianos 2.8, Fuentes Nuevas 2.0, Camponayara 5.7, Cacabelos 3.0, pieros 4.1.

Foram aproximadamente 235 Km andados. Isso justificava as bolhas em meus pés e a dor que sentia em minhas pernas. Nada era em vão e a minha estória naquele curso, acontecia. Questionava me sobre a agressão ao corpo, mas o espírito de peregrinação, a chegada e a própria marcha de outros peregrinos me motivava a continuar.

Penso que estive conhecendo os meus limites físicos e descobrindo que posso ser muito mais forte do que sempre me julguei ser.

No banco daquela igreja sussurrei: "Obrigada Senhor! Obrigada por minha saúde, minhas pernas, meus dias aqui no caminho e por toda infra estrutura que está sendo me oferecida neste caminho".
(Igreja de Villafranca Del Bierzo)


Aoefa em Villafranca Del Bierzo.